quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
121. RETRATO DE NATAL
sábado, 16 de dezembro de 2023
120. CANÇÃO DA PARTIDA
E, pela vontade de Deus, quando eu partir,
um rugido de jaguar ferido ecoará
no fundo da floresta e ninguém saberá
dos gritos lancinantes que ainda se há de ouvir.
Pela minha ausência não haverá cantoria,
no horizonte verão pássaros em revoada,
cães tristes no terraço da manhã enlutada
e nos riachos não haverá mais pescaria.
Quando eu morrer, os cupins não sairão dos ninhos,
e as formigas, loucas, vão se perder nos caminhos,
enquanto meu corpo exale o cheiro de resina.
Adjunto ao caixão de cedro, uma lamparina
iluminará meus cabelos de brilhantina,
e o meu lábio entreaberto de rosas e espinhos.
domingo, 10 de dezembro de 2023
119. DEZEMBRO
Os caminhos percorrem em mim seus atalhos
de manhãs quentes, com quase nada de sombra.
E lá entrevejo o facho do fogo que assombra
mais do que o veneno da cobra de chocalho.
Aquelas tardes de revoadas no horizonte,
alvas redes nas varandas, os cavalos
bufando nas coxias. Longe, o canto dos galos,
várias mulheres lavando roupa na fonte.
E o melacólico tresmalhar dos carneiros
ao cair da tarde nos campos baixadeiros
ressequidos, onde porcos magros fuçam.
Ouvindo o grasnar dos capotes, os cães aguçam
os ouvidos, rolinhas fogo-pagou soluçam,
nuvens se formam, antecipando o aguaceiro.
quarta-feira, 22 de novembro de 2023
118. ORAÇÃO DO CONFLITO
Não permita Deus que eu seja arrastado,
com as vestes do corpo rasgadas
e ferido pelo aço das armas dos meus inimigos.
Que eu saiba que toda dor tem um preço,
e que um bom escudo depende de agudas lanças,
porque as batalhas jamais findam.
Guia minha mão certeira ao coração malfazejo,
que pela força do meu golpe caiam mil ginetes,
e que pelo timbre da minha voz
estremeça o traidor disfarçado de amigo.
Que ninguém saiba de onde parte a minha flecha,
oculta nas florestas profundas da justiça
e que aos olhos de meus perseguidores seja invisível,
como um jaguar que pisa silencioso no chão de folhas.
domingo, 5 de novembro de 2023
117. O 5 DE NOVEMBRO - DOIS ANOS APÓS
domingo, 29 de outubro de 2023
116. ARRANCANDO PEDAÇOS
No tempo que eu e ele andávamos pelo mundo,
a cidade cabia nos nossos pensamentos
(ruas que davam em trilhas
e trilhas que desaguavam em quintais e passarinhos).
A vida passava desapercebida nos pomares,
e a chuva pontualmente chegava no dia de finados,
sendo avistada dias antes, ao longe, no horizonte,
por trás das serras nos planaltos azuis.
Agora não se houve mais o chocalho agudo dos carneiros
nos arredores de povoados e de fazendas
nos tabuleiros entre o rio Balsas e o velho Manoel Alves Grande.
Não tem mais pescaria na cheia dos rios,
e nem revoadas de pomba galegas por sobre os buritizais.
Não há mais meninos de pés descalços
em busca de cajuís
nas mais distantes florestas do riacho Frutuoso.
Foram embora aqueles senhores
envelhecidos nas chapadas
que contavam estórias de onças e capelobos,
sentados em cadeiras de vime ao longo das calçadas.
Hoje eu procuro nossos rastros na cidade vazia
de sonhos,
de casas de corredores imensos,
de janelas abertas ao vento passageiro,
sem avozinhas no parapeito,
sem vasos de flores amarelas.
A cidade encantada se perdeu,
cercada por infinitos campos de soja.
domingo, 15 de outubro de 2023
115. NO FIM DA ESTAÇÃO DOS VENTOS
O céu encoberto anuncia o novo ciclo de fartura,
insetos buscam o pólem, os bichos sobem nas árvores
em busca de alimento, no alto das copas.
O sol vermelho no poente disputa com nuvens escuras
e pesadas.
É bom ouvir os pássaros voltando, junto com o zumbido das abelhas.
As flores se reúnem ao chão, vingando os frutos coloridos e multiformes,
no fim da estação dos ventos.
Em frente das casas de taipa, curumins brincam seminus,
sujos de nódoa, de manga e do caju.
Nas veredas, os cães magros farejam a caça,
e comitivas de homens e mulheres empunham petrechos de pesca.
De noite, vem o frio assustador, de final da estiagem,
pedindo fogueiras embaixo das redes.
E assim persiste até quando os primeiros raios de sol cortam a névoa
que desce de cima da serras encantadas do Alto Turiaçu.
domingo, 20 de agosto de 2023
114. SACRO SEGREDO
Eu tenho um segredo de águas corredeiras
que brotam silenciosas das rochas da amazônia
e vagam insinuantes na floresta
até formar os braços de caudalosos rios.
Eu tenho um sacro segredo de asas levíssimas
planando no mais alto da serra do Tiracambu
onde a névoa encobre os córregos
que serpenteiam até o Pindaré e o Gurupi.
Uma pluma, uma gota, na palma da mão,
na íris cega, no ar sem pulmões, nas unhas
sem dedos, no hálito balsâmico de hortelã.
No cheiro das primeiras chuvas eu alimento
meu sonho pagão de altares barrocos
onde a sede é leve e o céu se dilui em estrelas .
113. POEMA INCENDIÁRIO
Meu dia envelhece comigo, enraizando calçadas
e ruas, alimentando cães e gatos,
protegendo os ninhos dos bem-te-vis.
Minha mesa é testemunha dos desvarios
em que a letra engole a letra e as palavras
emergem de um lago turvo de algas.
Meu poema chora com a mãe do infrator baleado,
se fere nas cercas farpadas do latifúndio,
e morre de frio debaixo das marquises.
As palavras que forjo são ríspidas e angulosas,
cortam as mãos e a língua dos homens,
atravessam os corpos como flechas assassinas,
e tombam cambiantes na espuma dos mares.
112. TARDE DE AGOSTO
Um dia de silêncio escorre lentamente
dentro da tarde abafada de sons.
Eu me apego numa estranha razão de viver,
cheia de flores minúsculas, pedentes de vasos,
espalhadas aleatoriamente ao longo dos muros
cobertos de ervas e musgos envelhecidos.
Alguém grita no oco do mundo
onde portões de ferro batem com estrondo
e o eco de miados no sótão escuro
consome o que me resta de lucidez.
É dia, mas faz dolorido escuro
na mente onde badala o bronze de um sino.
111. DIÁRIO DE UM ÉBRIO NA CIDADE
Entre a guerra dos homens eu caminho trôpego
meus passos cortam as ruas de pedras ásperas
e vejo cães circulando entre carros e pessoas
depois vão dormir ao lado de mendigos sujos e famintos.
De um mirante torto, janelas abertas para o mar,
emergem ervas daninhas buscando os raios do sol.
Nos azulejos trincados das fachadas faíscam meus olhos
de homem semi-louco, expropriado de angústia.
No parapeito da orla respiro o cheiro de mangue
por sobre onde revoam guarás ensanguentados
encerrando as inquietações do dia morno.
E aqui me vou tateando o ar rarefeito dos becos
a cidade resvalando sob os pés, o lixo onipresente
e dúzias de urubus ornamentados os postes.
domingo, 30 de julho de 2023
110. LEMBRANÇA DO MÊS DE AGOSTO
Que pena que não houve pássaros febris
no cair da tarde, somente a luz do frio,
se muito, o esvoejar de fogo dos colibris,
e agudos vagidos de infantes no rio.
E toda a força para pensar que eu tive
transformara-se em folhas e musgos do chão,
um pedra rija que no peito eu mative,
raízes nos olhos, sulcos no rosto e nas mãos.
Que pena que os pássaros se foram embora,
levando consigo estranhos testemunhos,
de roupas no varal, retratos sem rascunhos.
E tudo passou como um sopro, por agora,
aves peregrinas em louco redemunho
de agosto, tropel de ginete, gibão e espora.
segunda-feira, 5 de junho de 2023
109. DOIS ANOS DA PASSAGEM
Um ano já se passou, um frio do sertão.
Tudo passa, à revelia da vontade e sorte;
efêmera é a vida, e para sempre é a morte,
pano branco e pranto derramado ao chão.
Dois anos passaram, a fivela e o arpão,
ferida rubra aberta no profundo corte,
lâmina dos ginetes, punhal contraforte,
nas águas salobras que me escorrem da mão.
Ainda ouço o grito empalmado na garganta
e o revoar de asas sobre a casa sem jardim,
uma ladainha triste e lágrima aos pés da Santa.
E tantas lembranças que revivem o fim
inconcluso - o que me dói tanto que espanta -,
são pedras, memórias, campinas de cetim.
domingo, 7 de maio de 2023
108. Diário de uma Viagem ao Parque Estadual do Mirador
Brotam ervas nas frestas dos muros.
A chanana se espalha nas calçadas
e flores amarelas sinalizam na paisagem de fim das chuvas.
Sucupiras pintam a chapada ainda verde de lilás.
Homens de pele queimada atravessam a floresta,
e molham as calças na travessias dos córregos.
O sol ameaça chegar com força,
as nuvens algodoadas criam plataformas verticais no céu,
espallhando mormaço e angústia.
Os mosquitos tentam invadir nossas bocas e os ouvidos,
mas convivem bem com os moradores,
de roupas rasgadas e semblantes castigados.
Acredito que fazem uma aliança eficiente contra os invasores.
Estamos acima de 500 metros de altitude,
atravessando a neblina das serras do Mirador.
segunda-feira, 24 de abril de 2023
107. POR UM INSTANTE DE SILÊNCIO
Eu tenho na mão uma chama estranha,
alvéolo, chaga, estigma, luz na escuridão,
que reluz e apaga como o fogo fátuo na campina.
Eu ofereço a minha mão ensaguentada,
aberta e no vermelho espalmada, a rosa púrpura
do jardim incendiado no timbre azul dos punhais.
Eu sei ferir as lâminas batendo asas,
no assombro da língua desossada,
candeeiro sem querosene, vela sem castiçal.
106. NOITES DE INFÂMIA
domingo, 22 de janeiro de 2023
105. CAMPANÁRIOS
Que absurda saudade varre as ruas tortas da cidade,
tantas buzinas afugentando pardais nos telhados portugueses,
tantos meses trançando anos em fios de órgãos das catedrais,
os terços rezados nos missais da aurora tardia
fazendo brotar soluços, pruridos, chorume e lágrima.
E a lembrança opaca dos canteiros abandonados nos jardins
estende seus longos braços pelos corredores de casas velhas,
de grossas paredes em ruínas, de janelas quebradas,
e muros caídos, revelando as entranhas dos quintais adormecidos.
Eu quero minha saudade para sempre comigo,
como se fosse um cobertor nos dias de chuva,
uma rede na varanda, de frente para o Largo dos Amores,
um veleiro de empanada colorida na Baía de São Marcos,
uma insana barca cortando o mar para Alcântara.