Eu me estranho ante o espelho quebrado,
mil faces retratam um espinheiro
do tucum; e da urtiga meu braseiro,
onde sinto o corpo em asas mutilado.
Insone, espero a luz do candelabro,
que orienta meu caminho indecifrável,
um tanto sangue, um tanto rosa afável,
na pedra rija do aluvião que lavro.
Eu me estranho diante do mundo triste,
onde pássaros morrem nas vidraças
e o homem fatigado não resiste.
Prefiro o ginete azul das desgraças,
o esgar da boca, o cutelo em riste,
o insano tropel das alvas carcaças.
quinta-feira, 29 de junho de 2017
domingo, 25 de junho de 2017
47. BERLIM
A outra metade está no secreto
interior de calda alma desterrada.
Entre nós há um muro de concreto
que faz do medo a língua mais falada.
Nascemos aborto, inconcluso feto,
contração da carne chorando o nada,
nu menino, sem mãe, sem pão e sem teto,
cavando a terra, órfão de foice e enxada.
A face roída por um inseto
é o ventre aberto da mulher cansada,
o espasmo cru do coração inquieto.
Varíola dos anos, rede rasgada
onde o filho do filho fabrica o neto
e meu ciclo se fecha sem estrada.
interior de calda alma desterrada.
Entre nós há um muro de concreto
que faz do medo a língua mais falada.
Nascemos aborto, inconcluso feto,
contração da carne chorando o nada,
nu menino, sem mãe, sem pão e sem teto,
cavando a terra, órfão de foice e enxada.
A face roída por um inseto
é o ventre aberto da mulher cansada,
o espasmo cru do coração inquieto.
Varíola dos anos, rede rasgada
onde o filho do filho fabrica o neto
e meu ciclo se fecha sem estrada.
sábado, 24 de junho de 2017
46. BUNKER
Alguém pode querer gritar ao lado
de mim, ferido e sem ninguém.
Que alguém pode assim ferir-se também
ao lado seu mais do que ao meu aberto lado.
Pois que chorar possa, não importa quem,
sob o seu flanco ferido e manchado.
Chore agora em soluço abafado,
ou alto grite, por por algo ou por alguém.
Não choro eu. A minha dor aqui não cabe
e ninguém da ferida minha sabe,
mais que aberta em corte mais que profundo.
Porquanto posso, mesmo que ferido,
esquecer da ferida, adormecido,
homorrágico a tudo, a mim e ao mundo.
de mim, ferido e sem ninguém.
Que alguém pode assim ferir-se também
ao lado seu mais do que ao meu aberto lado.
Pois que chorar possa, não importa quem,
sob o seu flanco ferido e manchado.
Chore agora em soluço abafado,
ou alto grite, por por algo ou por alguém.
Não choro eu. A minha dor aqui não cabe
e ninguém da ferida minha sabe,
mais que aberta em corte mais que profundo.
Porquanto posso, mesmo que ferido,
esquecer da ferida, adormecido,
homorrágico a tudo, a mim e ao mundo.
quinta-feira, 22 de junho de 2017
45. BACCHANALE
Morrer só, contando a moeda-miséria
tudo o que sobrará no final da festa,
como o que falta sem saber que resta.
Morrer é só, infecção diária, bactéria.
Deitar sujo em chão de mijos e bostas,
sentindo no pulso a obstruída artéria,
amante carnal da noite venérea,
corpo decepado em pútridas postas.
E resta no meu fétido final
solitário telhado de pedra e cal
onde meus ossos se dissolverão.
Morrerei só, como o jaguar final,
derradeiro da espécime fatal
de morte ferido em agreste sertão.
44. DEPRESSÃO
A dor que enfrento jamais foi pequena,
a morte que desafio desarmado
de mim, onde corre o tempo alvejado
por mil balas da minha surda pena.
Agora tudo é pouco nesta arena
de leões famintos e ser devorado
cristão ou mesmo ser crucificado
pouco importa à vida sem paz terrena.
Se eu morro sem Deus ninguém dirá
tampouco: uma esquerda hora que virá
em algum dos meus dias que não espero.
Por enquanto aqui vivo sem saber
até quando sem Deus eu vou viver
na estrada louca desse desespero.
a morte que desafio desarmado
de mim, onde corre o tempo alvejado
por mil balas da minha surda pena.
Agora tudo é pouco nesta arena
de leões famintos e ser devorado
cristão ou mesmo ser crucificado
pouco importa à vida sem paz terrena.
Se eu morro sem Deus ninguém dirá
tampouco: uma esquerda hora que virá
em algum dos meus dias que não espero.
Por enquanto aqui vivo sem saber
até quando sem Deus eu vou viver
na estrada louca desse desespero.
43.CAIS
Esperar o mar não é como uma espera
qualquer. O cais se avizinha no instante
azul, o barco imita o choro infante
onde em pó a luz do cais se desfizera.
O mar é tudo. Ânsia que desespera
alma presa no porto mais distante,
sol de gaivotas tristes no semblante,
mortalha da morte que não nos dera.
Espero. Ainda que à hora de partir
ninguém que espere por mim possa vir
em aceno de madrugada irreal.
Pois basta que eu não sinta o coração
no peito oculto ao descanso da mão:
o mar lava a alma na insânia do sal.
qualquer. O cais se avizinha no instante
azul, o barco imita o choro infante
onde em pó a luz do cais se desfizera.
O mar é tudo. Ânsia que desespera
alma presa no porto mais distante,
sol de gaivotas tristes no semblante,
mortalha da morte que não nos dera.
Espero. Ainda que à hora de partir
ninguém que espere por mim possa vir
em aceno de madrugada irreal.
Pois basta que eu não sinta o coração
no peito oculto ao descanso da mão:
o mar lava a alma na insânia do sal.
42. COMBOIOS
Amontoados sob o frio dos arroios
eles nunca souberam madrugadas
em sonhos de ferrugens e comboios
os guerrilheiros de armas alugadas.
E muitos daqueles que se perderam
trigo nos campos estivais de outrora
foram soldados nus por quem morreram
sóis em fogo: por esses ninguém chora.
Ficando a marca em cada um de nós
o clamor surdo de um silêncio atroz
estrela cadente em confins da terra.
Ficou essa marca em cada um de nós
grito mudo na multidão sem voz
paz da pátria falsa no ardor da guerra.
domingo, 18 de junho de 2017
41. CAVALEIRO FERIDO
Perdoa, se matei o teu ginete alado,
na exaustão da rocha, no ferir da espora
cega, pestilento cão anunciando o caipora.
Perdoa rápido, que passarei cansado.
Não olha para a serra, no cume adensado
onde vou desaparecer ferido por agora,
entoando os cânticos da derradeira hora.
Ouve apenas, com o coração trespassado.
Se com o tempo minha presença de vapor
diluir-se nas manhãs de luz, fímbria e ardor,
lembra o canto, sina do cavaleiro morto
que deitou tantas árvores pelas raízes,
soçobrou paineiras, afugentou perdizes,
e assim tombou flechado por um anjo torto.
na exaustão da rocha, no ferir da espora
cega, pestilento cão anunciando o caipora.
Perdoa rápido, que passarei cansado.
Não olha para a serra, no cume adensado
onde vou desaparecer ferido por agora,
entoando os cânticos da derradeira hora.
Ouve apenas, com o coração trespassado.
Se com o tempo minha presença de vapor
diluir-se nas manhãs de luz, fímbria e ardor,
lembra o canto, sina do cavaleiro morto
que deitou tantas árvores pelas raízes,
soçobrou paineiras, afugentou perdizes,
e assim tombou flechado por um anjo torto.
40. VERÃO
Morre-se em decúbito, e sangrando o dorso,
onde o punho faz tinir chibatadas puídas,
sal branco por sobre a roxidão das feridas,
para calar o choro do meu navio corso.
Morre-se sem chão, com o lacerado torso
exposto ao bico das aves espavoridas;
sem razão morro, sob árvores parricidas
que me deitam no corpo folhas de remorso.
Viúvo de mim mesmo, espero rubras flores
que adornam jazigos e lágrimas sem cores,
curvas pontilhadas de cruzes nos caminhos.
Contarei o tempo no silício das chapadas
que incendeiam troncos e víboras tresmalhadas
quebram no meio a espiral dos redemoinhos.
onde o punho faz tinir chibatadas puídas,
sal branco por sobre a roxidão das feridas,
para calar o choro do meu navio corso.
Morre-se sem chão, com o lacerado torso
exposto ao bico das aves espavoridas;
sem razão morro, sob árvores parricidas
que me deitam no corpo folhas de remorso.
Viúvo de mim mesmo, espero rubras flores
que adornam jazigos e lágrimas sem cores,
curvas pontilhadas de cruzes nos caminhos.
Contarei o tempo no silício das chapadas
que incendeiam troncos e víboras tresmalhadas
quebram no meio a espiral dos redemoinhos.
quarta-feira, 14 de junho de 2017
39. SONETO DA DESPEDIDA
Foi brusco o nosso amor, e não me arrependo,
vigiei lamparinas, noites quentes a fio,
afoguei-me, incendiando meu navio,
náufrago de amor, e por amor morrendo.
Não terá fim esse amor de velho louco,
esquecido farol de uma ilha solitária,
onde se morre todo dia, em luta diária,
cada dia de mar perdido, sangrando um pouco.
Não será muito sentir no peito a maré,
pulsando algas, o sal me corroendo a fé,
se adormeço no profundo sono dos mortos.
E reviver o passado desse amor vivo,
na alva rede do mar, do amor que me privo,
é como estar vivo em cemitério de portos.
vigiei lamparinas, noites quentes a fio,
afoguei-me, incendiando meu navio,
náufrago de amor, e por amor morrendo.
Não terá fim esse amor de velho louco,
esquecido farol de uma ilha solitária,
onde se morre todo dia, em luta diária,
cada dia de mar perdido, sangrando um pouco.
Não será muito sentir no peito a maré,
pulsando algas, o sal me corroendo a fé,
se adormeço no profundo sono dos mortos.
E reviver o passado desse amor vivo,
na alva rede do mar, do amor que me privo,
é como estar vivo em cemitério de portos.
38. NOTURNO
Espero que no dia amanheça
a ternura,
E que bem rápido eu esqueça
a tortura
De abrir os olhos devagar
qual cego,
em noite escura do pensar
que nego
a ternura,
E que bem rápido eu esqueça
a tortura
De abrir os olhos devagar
qual cego,
em noite escura do pensar
que nego
37. FUGITIVOS
Tivemos que suportar a dureza das pedras nos pés,
subimos encostas lisas, vencemos o medo paralisante,
repousamos vitoriosamente no cume onde pousam os loucos.
Os corpos feridos, ouvimos o rugir de negras panteras,
o líquido voo dos carcarás famintos sobre a terra.
Onde vamos vivem os seres que regurgitam flores,
no interior das florestas, cobertas de espessas brumas,
e o eco dos gritos apodrecem nos ouvidos de bugios moucos.
Haveremos de suportar ali o silêncio de ferro,
o peso do ar gelado nos pulmões, enquanto os rios choram.
subimos encostas lisas, vencemos o medo paralisante,
repousamos vitoriosamente no cume onde pousam os loucos.
Os corpos feridos, ouvimos o rugir de negras panteras,
o líquido voo dos carcarás famintos sobre a terra.
Onde vamos vivem os seres que regurgitam flores,
no interior das florestas, cobertas de espessas brumas,
e o eco dos gritos apodrecem nos ouvidos de bugios moucos.
Haveremos de suportar ali o silêncio de ferro,
o peso do ar gelado nos pulmões, enquanto os rios choram.
domingo, 4 de junho de 2017
36. AMOR DE PERDIÇÃO
Teria flores de esgar para enfeitar teu seio
de potras ofegantes em brusca subida,
laço de corda, o flanar de asas ao meio
derramando sóis na cama enrijecida.
Dentro desse ar puro, na escuridão do céu.
Seria gume, cortando nuvens de centeio
e chiar de morcegos reclusos no mel
onde morre a alma partida ao meio.
Beijos para calar a boca de vinho doce,
sargaços de fria maré, o tempo me fosse
rodopio de folhas na louca ventania.
E o pulsar de corpos na fímbria do dia
esmaece o tempo do meu feliz degredo
onde berro no palácio febril do medo.
de potras ofegantes em brusca subida,
laço de corda, o flanar de asas ao meio
derramando sóis na cama enrijecida.
Dentro desse ar puro, na escuridão do céu.
Seria gume, cortando nuvens de centeio
e chiar de morcegos reclusos no mel
onde morre a alma partida ao meio.
Beijos para calar a boca de vinho doce,
sargaços de fria maré, o tempo me fosse
rodopio de folhas na louca ventania.
E o pulsar de corpos na fímbria do dia
esmaece o tempo do meu feliz degredo
onde berro no palácio febril do medo.
35. A ESPERANÇA NO ÉDEN
O mundo das silhuetas bruxuleantes
ruirá, um dia de vento, tosco e frouxo,
num grande estalo de árvore tombando.
Ouvirei, pois, num relance de coxo,
- chama trepidante de lamparinas -
o mugido azul do novilho mocho
na parede bolorenta da insônia
onde lírios morrem em desabrocho.
ruirá, um dia de vento, tosco e frouxo,
num grande estalo de árvore tombando.
Ouvirei, pois, num relance de coxo,
- chama trepidante de lamparinas -
o mugido azul do novilho mocho
na parede bolorenta da insônia
onde lírios morrem em desabrocho.
34. SOBRE A NECESSIDADE DE OUVIR
Existe uma coisa a ser pensada
no imenso novelo da vida.
Um lugar onde não haja o barulho
de buzinas e ronco de motores...
Um lugar onde os telejornais não alcancem,
com as últimas notícias de um mundo violento
e sem sentido.
Precisamos considerar que o vácuo
dos últimos acontecimentos
inscrevem na mesma sala escura
o mais recente ataque terrorista
e a surpreendente prisão do mais novo
e insuspeito corrupto.
Não seria mais uma espécie de fuga,
pois se foge quando se deixa algo para trás.
Seria apenas outra forma de encarar os sons,
diluídos em gotas translúcidas de orvalho.
Seria uma forma de ouvir as vibrações
que emanam das afinadas cordas vocais
ocultas nas densas florestas.
Seria apenas uma forma de mimetismo
onde nossos pés se transformassem em raízes
e em nossos ombros repousassem os ninhos.
no imenso novelo da vida.
Um lugar onde não haja o barulho
de buzinas e ronco de motores...
Um lugar onde os telejornais não alcancem,
com as últimas notícias de um mundo violento
e sem sentido.
Precisamos considerar que o vácuo
dos últimos acontecimentos
inscrevem na mesma sala escura
o mais recente ataque terrorista
e a surpreendente prisão do mais novo
e insuspeito corrupto.
Não seria mais uma espécie de fuga,
pois se foge quando se deixa algo para trás.
Seria apenas outra forma de encarar os sons,
diluídos em gotas translúcidas de orvalho.
Seria uma forma de ouvir as vibrações
que emanam das afinadas cordas vocais
ocultas nas densas florestas.
Seria apenas uma forma de mimetismo
onde nossos pés se transformassem em raízes
e em nossos ombros repousassem os ninhos.
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