quarta-feira, 2 de novembro de 2016

8. FLORESTA

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Tinir de ferros na chapada.
É hora do choro dos órfãos 
embalado por cigarras enlouquecidas de sol.
Hora do suor, do vazio da fome canina.

Perto do silêncio das coisas, resíduos de sertão e de árvores tortas.
Revoar de asas, onde a vista não alcança, espanto de onça acuada,
passos na folhagem, tremor de brisa, lufando nos pelos.

É hora de lutar, o cutelo enlutado espera.
Virão eles com a promessa de recriar o grito da Inhuma
e de refazer a água nos córregos secos.

Eles já estão vindo, os cães podem sentir o fartume do óleo,
as formigas se desesperam nas trilhas onde os fungos morrem.
Motores roncam para que as aroeiras cedam lugar à soja.

Longe, é possível ouvir o estalar dos troncos,
gemidos de floresta clamando. 

Como vagidos de criança.

7. DIA DE FINADOS

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Entre um rio e uma palavra existe um vão de coisas...
Elas correm no tempo como folhas tangidas nas correntezas,
algumas se perdem nas profundezas outras seguem caminho.
O rio e a palavra choram.

Quero esquecer da palavra...
Quero ser folha, furtiva e lânguida
nas corredeiras de um rio do sertão.

Um dia eu me encontro com ela,
prisioneira de um remanso qualquer,
onde se fundem raízes e folhas.

Entre um rio e uma palavra haverá a fusão das coisas,
caminhos de pedras ásperas, pios de aves incandescentes.
O rio e a palavra choram na minha presença.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

6. DEPRESSÃO

Balança a rede no amarelo da febre, oscilante
órbita dos olhos.  Fome e chão, chinelas rasgadas
de amassar a relva em tantas veredas tropeçadas.
Conto os dias no vai e vem da escápula irritante.

Eu quero no resplendor da aurora a infeliz mutante
Que desfila passos de mortes em mim hospedadas,
os Maíras sussurando vozes de almas penadas.
E vai correndo abraçada no seu pote de sangue.

Tropeço na lua vermelha enquanto rescalda no chão
álveas carcaças. Tinir de esporas, fivelas de ouro
adornam o Corpo Santo manietado no gibão.

Assim espero o fim, pendurada a veste de couro
do inválido cavaleiro, ensanguentado na mão
o terçado que abrirá o caminho do sol vindouro.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

5. CAÇADA


Lá, onde sangram estranhos vagidos,
e a fome do carcará espera rodopiando a presa,
ouço o tropel da chuva por sobre o palmeiral.

Lá, onde cães transidos pelo frio rosnam a fome,
Posso ler os céus de chumbo açoitados pelo vento
E a garra do jaguar me abrindo o peito.

Quisera ter uns dias a mais no estertor da febre
Para curar a alma da tempestade que se aproxima.

Sentir a revoada de papagaios no pânico das águas
Singrando luz e relva, solidão e pólvora.

domingo, 10 de abril de 2016

3. DESPEDIDA

Tristeza que se reflete nos olhos de quem olha,
no espelho atrás da porta, pelo tempo carcomida.
Queria voltar atrás, quando nem sonhava a partida,
vestido de metais reluzentes ante a vista zarolha.

Alcei lanças de fogo contra o céu que me roubou a cena,
com as vestes empapadas de sangue das manadas
que atropelam virgens nos campos de flores envenenadas.
Fui longe, seguindo o curso dos rios, com trânsfuga pena

de adiar a sede e a dor do mundo, ladrar de cães
prometidos à minha morte, num abandonado matagal.
À beira da estrada, costurei feridas no meu hálito de sal,

esperando romper a aurora triste da partilha sem pães.
E aquele olhar me sangrou por dentro a gota do peso mau
derramado na face assombrada de um porto sem nau.

2. ENGASGO



Esse poema, que me trai na ausência do verbo alado,
é pura sintonia fina da alma na insônia delirante.
Ele anda comigo, qual vício da bebida no silêncio alcoolizante,
e me recolhe no espasmo do dia trêfego e mal iluminado.


Eu busco a letra, a forma dilatada de um sol incessante,
impassível à pronúncia, baú hermeticamente fechado
ao pavor de asas coloridas - um sentimento emboscado.
É o vagir do nascimento ruidoso de extinta língua pulsante!

Esse poema que repousa no prato, qual comida intragável,
é a mariposa insone das minhas noites de chuva tropical,
cerceando o ar escuro na luz de um mar improvável.

Ele vem, qual banzeiro, quando ensimesmado paro de navegar,
e fala, quando inexiste boca, na sombra do clarão do esgar,
vomitando flores vivas no repasto da hora capital.

1. RIO DE LÁGRIMAS



Eu fui o menino das águas turvas dos rios, da lágrima e do açoite.


Sobrevivi na lama e no lodo, nas entranhas da pútrida terra,

de onde ergui meu canto de lâmina que no corpo se enterra.

Sou testemunha que viu o rio chorando no fundo da noite.


Tantas vezes o vi o rio aportando na madrugada,

coroado de névoa branca, rangendo os dentes no frio.

Tantas vezes ergui o punho na sezão amarela desse rio

que me perdi nas veredas de uma estrada assombrada.


E quem não sentiu o abraço cálido de um rio não foi menino,

não chegou a deslizar nas águas turvas da chuva fina

e não se jogou do alto da árvore no vácuo da própria sina:


Esse um outro que miro torto no espelho da íris assassina

apenas deixou passar o tempo líquido na janela do destino,

morrendo de angústia desesperada que se dobra como um sino.