Quando eu nasci o mundo ouviu um grande estalo,
um vento xucro soprou no meu nascimento,
a terra gemeu e fez rachar o cimento,
e ressoou bem distante um canto de galo.
Alegre o meu povo cantava uma ciranda,
Pato, peru e capote eram a comida,
Pitu, catuaba e jurubeba eram bebida,
o forró torando e o mundo rachando em banda.
Quando eu cheguei, sei, muitos torciam a boca,
eu sorria no colo de uma velha louca
com a minha boca cheia de mingau quente.
Por certo eles me sabiam lugar-tenente,
então vindo ao mundo para assombrar gente,
meu pirão primeiro, se a farinha é pouca.
terça-feira, 30 de julho de 2019
sexta-feira, 12 de julho de 2019
79. DE REPENTE A MORTE
(em memória de Zé Enedina, liderança rural de Araioses, assassinada em 19 de julho de 2014)
Ninguém se importa quando morre mais um Zé,
tanto mais o Zé que vigia o carnaubal,
envelhecido no cerrado, andando a pé,
onde foi morto de faca como um animal.
Ninguém pôde ouvir os gritos daquele Zé,
a não ser o rio, com suas águas de cristal.
E morto ficou, estendido, na sua fé,
o Enedina, à sombra da palmeira letal.
Mal sabia o algoz que matando desse jeito,
como testemunha das facadas no peito,
a floresta amaldiçoaria o assassino.
E para cada curva do rio Santa Rosa
há uma lembrança destemida e poderosa
daquele guardião que morreu no seu destino.
Ninguém se importa quando morre mais um Zé,
tanto mais o Zé que vigia o carnaubal,
envelhecido no cerrado, andando a pé,
onde foi morto de faca como um animal.
Ninguém pôde ouvir os gritos daquele Zé,
a não ser o rio, com suas águas de cristal.
E morto ficou, estendido, na sua fé,
o Enedina, à sombra da palmeira letal.
Mal sabia o algoz que matando desse jeito,
como testemunha das facadas no peito,
a floresta amaldiçoaria o assassino.
E para cada curva do rio Santa Rosa
há uma lembrança destemida e poderosa
daquele guardião que morreu no seu destino.
78. MENDIGOS DA PALAVRA XXX
A imagem mais próxima dos poetas não é a dos burgueses,
limpos, bem vestidos, ao redor de comidas e bebidas finas.
Ninguém faz poema satisfeito consigo mesmo, cheio de plenitude.
Os poemas não vêm do céu, como querem os crédulos.
limpos, bem vestidos, ao redor de comidas e bebidas finas.
Ninguém faz poema satisfeito consigo mesmo, cheio de plenitude.
Os poemas não vêm do céu, como querem os crédulos.
Não existem musas, o poema não nasce de uma inspiração da alma.
Poetas são como mendigos de rua, maltrapilhos e famintos da palavra. Seus amigos são os cães e gatos abandonados das praças e seus quitutes estão no lixo dos mercados.
Não se faz poemas para acalentar, para adoçar os dias, para aliviar as dores. O poema é a dor.
Não se faz poemas para acalentar, para adoçar os dias, para aliviar as dores. O poema é a dor.
O poema não serve para nada, é inútil, por isso sobrevive, como artefato antissistêmico.
O poema está nas valas, nos lixões, ao lado de ratos e urubus.
O poema está nas valas, nos lixões, ao lado de ratos e urubus.
Ele clama nas favelas, nos conflitos e nas catástrofes.
Cada palavra do poema representa uma lesão, um espinho, uma navalha.
Lavrar o poema é duro, áspero, como lavrar a terra.
Cada palavra do poema representa uma lesão, um espinho, uma navalha.
Lavrar o poema é duro, áspero, como lavrar a terra.
No chão das flores estão os vermes e a decomposição.
Poetas lapidam versos com as mãos e unhas sujas.
Poetas lapidam versos com as mãos e unhas sujas.
quarta-feira, 10 de julho de 2019
77. FIM DE LINHA XXX
A primeira vez que percebi a diferença
foi duro para mim, os olhos resvalando
por sobre a mesa de pau d'arco, a dor imensa
no paladar, a tua saliva me esmagando.
Um rato soturno roía algo na dispensa,
dava para ouvir, tal o silêncio cortando
nossa vida em comum, embora a crença
na cura ainda houvesse, o amor desmoronando.
Não quero mais nada, senhora do meu pranto,
porque tudo na vida um dia perde o encanto,
era tudo o que eu sabia, mas duvidava.
Primeira vez que percebi que algo faltava,
era um dia de sol, um pardal cantarolava,
e eu abafei o choro que nunca houve, no entanto.
foi duro para mim, os olhos resvalando
por sobre a mesa de pau d'arco, a dor imensa
no paladar, a tua saliva me esmagando.
Um rato soturno roía algo na dispensa,
dava para ouvir, tal o silêncio cortando
nossa vida em comum, embora a crença
na cura ainda houvesse, o amor desmoronando.
Não quero mais nada, senhora do meu pranto,
porque tudo na vida um dia perde o encanto,
era tudo o que eu sabia, mas duvidava.
Primeira vez que percebi que algo faltava,
era um dia de sol, um pardal cantarolava,
e eu abafei o choro que nunca houve, no entanto.
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