sexta-feira, 12 de julho de 2019

78. MENDIGOS DA PALAVRA XXX

A imagem mais próxima dos poetas não é a dos burgueses,
limpos, bem vestidos, ao redor de comidas e bebidas finas.

Ninguém faz poema satisfeito consigo mesmo, cheio de plenitude.

Os poemas não vêm do céu, como querem os crédulos. 
Não existem musas, o poema não nasce de uma inspiração da alma.

Poetas são como mendigos de rua, maltrapilhos e famintos da palavra. Seus amigos são os cães e gatos abandonados das praças e seus quitutes estão no lixo dos mercados.

Não se faz poemas para acalentar, para adoçar os dias, para aliviar as dores. O poema é a dor.

O poema não serve para nada, é inútil, por isso sobrevive, como artefato antissistêmico.

O poema está nas valas, nos lixões, ao lado de ratos e urubus.
Ele clama nas favelas, nos conflitos e nas catástrofes.

Cada palavra do poema representa uma lesão, um espinho, uma navalha.

Lavrar o poema é duro, áspero, como lavrar a terra. 
No chão das flores estão os vermes e a decomposição. 

Poetas lapidam versos com as mãos e unhas sujas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário