quinta-feira, 28 de março de 2024

122. AMARGO TEMPO XXX

 

O tempo se mede pelas ausências.

Lugares vazios na mesa, cadeiras sem balanço, 

redes sem ragidos de escápulas.

A humana lida é composta de saudades em fio,

muros em ruínas, casarões abandonados.

Cada falta vai se acomodando como as ervas nas frestas do piso.

A dor cansa e anestesia, até ao ponto de esvair-se da memória.

Difícil permanecer, se um grande amor aguarda 

na outra margem do rio,

ansioso por festejar a dois a paixão da eterna juventude.

E a cada hora nos unimos e nos despedaçamos

feitos que somos de tempo e de solidão, 

de chuvas e ventanias que sacodem as janelas.

quarta-feira, 13 de março de 2024

121. É DIFÍCIL RESPIRAR XXX

Seria preciso outra vida para contar as lembranças.

Refazer caminho não é uma tarefa fácil, tem espinhos.

É como ouvir ao longe o latido de cães perdidos,

o cântico melancólico dos galos da madrugada.


Nenhum acalanto vence o frio das UTI's, 

com seus humores sombrios escondidos 

em cada sala coberta de névoa onde ecoam sons de violino.


E quando dispara o alerta do oxímetro

e na janela estaciona um lua ovalada e brilhante,

os anjos começam a cantar como pássaros em delírio.


Ditos e não ditos no limiar da vida,

quando o pulmão se recusa a testemunhar  

a passagem dos peixes na piracema e o tropel dos cavalos da madrugada.

domingo, 10 de março de 2024

120. ALTAR DOS PEREGRINOS XXX

 Cada hora insone tem seu dia de chuva.

Cada torre tem seu dobrar de sino, 

e cada alegria triste tem sua falta.


É bom andar nas ruas sem destino, o sol a contrapelo,

imune ao tempo de chumbo que derrete nas mãos.

Mãe, madre, pia, como dói a lembrança

da infância sem cura, do lugar vazio na mesa.


Foram tantos os silêncios e ranger de portões,

as janelas grandes abertas em par sobre os quintais,

como se as ventanias de agosto curassem todos os miasmas,

e as águas de janeiro lavassem todas as lágrimas.


Eu que ouvi todas as rezas no altar do Santo,

a vela oscilando no balbucio de piedosas senhoras.

Sempre soube que o amor vence o tempo

 e ilumina a imensidão dos campos.