quinta-feira, 28 de março de 2024

124. AMARGO TEMPO

 O tempo se mede pelas ausências.

Lugares vazios na mesa, cadeiras sem balanço, 

redes sem ragidos de escápulas.

A humana lida é composta de saudades em fio,

muros em ruínas, casarões abandonados.

Cada falta vai se acomodando como as ervas nas frestas do piso,

a dor cansa e anestesia, até ao ponto de esvair-se da memória.

Como pedir que permaneça, se um grande amor aguarda 

na outra margem do rio,

ansioso por festejar a dois a paixão da eterna juventude?

E a cada hora nos unimos e nos despedaçamos

feitos que somos de tempo e de solidão, 

de chuvas e ventanias que sacodem as janelas.

quarta-feira, 13 de março de 2024

123. É DIFÍCIL RESPIRAR

Seria preciso outra vida para contar as lembranças.

Refazer caminho não é uma tarefa fácil, tem espinhos.

É como ouvir ao longe o latido de cães perdidos,

o cântico melancólico dos galos da madrugada.


Nenhum acalanto vence o frio das UTI's, 

com seus humores sombrios escondidos 

em cada sala coberta de névoa onde ecoam sons de violino.


E quando dispara o alerta do oxímetro

e na janela estaciona um lua ovalada e brilhante,

os anjos começam a cantar como pássaros belicosos.


Ditos e não ditos no limiar da vida,

quando o pulmão se recusa a testemunhar  

a passagem dos peixes na piracema e o tropel dos cavalos.

domingo, 10 de março de 2024

122. ALTAR DOS PEREGRINOS

 Cada hora insone tem seu dia de chuva.

Cada torre tem seu dobrar de sino, 

e cada alegria triste tem sua falta.


É bom andar nas ruas sem destino, o sol a contrapelo,

imune ao tempo de chumbo que derrete nas mãos.

Mãe, madre, pia, como dói a lembrança

da infância sem cura, do lugar vazio na mesa.


Foram tantos os silêncios e ranger de portões,

as janelas grandes abertas em par sobre os quintais,

como se as ventanias de agosto curassem todos os miasmas,

e as águas de janeiro lavassem todas as lágrimas.


Eu que ouvi todas as rezas no altar do Santo,

a vela oscilando no balbucio de piedosas senhoras,

sempre soube que o amor vence o tempo

 e ilumina a imensidão dos campos.