sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

87. O JAGUAR NA CHUVA

Esperei a chuva de mãos dadas com o nada.
E ela veio, seminua, arrastando troncos
lodosos das margens dos rios. Seus roncos
ouviram-se no desvão oco da madrugada.

Enquanto minha mãe cobria os espelhos
e duas brasas rubras nos olhos do gato
eram o lampadário da casa no mato,
meus ouvidos buscavam o jaguar vermelho.

Meu sonho perdeu-se no estranho céu chumboso,
brisa que sopra nas redes avarandadas,
enquanto esperava o monstro silencioso

vir ao meu encontro de pupilas dilatadas,
menino do sertão, de pranto corajoso,
com um candeeiro de luzes apagadas.

86.LEMBRANÇA FÚNEBRE

Ninguém soube o porquê da partida repentina,
não houve tempo sequer para a despedida;
Simplesmente desligaram você da vida,
como, de noite, se apaga uma lamparina.

Eu tive que engolir meu choro numa rede, 
ouvindo ao longe o tristonho canto da coan;
na memória, badalando a esperança vã,
o tic tac alto do relógio na parede.

Fui contando as horas para o raiar do dia,
as abelhas anunciando a chuva espectral,
pois que me convenci dessa ruptura final.

Hoje ainda relembro os momentos de alegria,
um luto frio que nem  chuva torrencial
lava, a casa grande, uma sala vazia.