segunda-feira, 24 de abril de 2023

107. POR UM INSTANTE DE SILÊNCIO

Eu tenho na mão uma chama estranha,

alvéolo, chaga, estigma, luz na escuridão,

que reluz e apaga como o fogo fátuo na campina.


Eu ofereço a minha mão ensaguentada,

aberta e no vermelho espalmada, a rosa púrpura

do jardim incendiado no timbre azul dos punhais.


Eu sei ferir as lâminas batendo asas, 

no assombro da língua desossada, 

candeeiro sem querosene, vela sem castiçal.

106. NOITES DE INFÂMIA


Quando a mãe-da-lua canta
um estranho miasma evapora nos olhos do medo.
Os cães dos vizinhos respondem consumidos pelo frio, 
lá onde a fome não espera, com o céu caindo sobre as árvores.

Uivam os cães, longa e tristemente
na ventania dos currupiras abalando os chocalhos.
Uivam os cães, loucamente,
pressentindo a chegada do jaguar de aço,
com os olhos de fornalha e a fome espetada nas malhas pretas.

Eu me lanço e resvalo nas pedras que dormem nos rios,
sangro as mãos, arranho o peito,
e de joelhos apodreço na relva.