quinta-feira, 25 de março de 2021

94. ANÚNCIO DE INVERNO

Esse canto rouco que me chega aos ouvidos

resvalando nos troncos escavados por raios,

é o bramido de frio dos bugios transidos

na febre da manhã, o sol em desmaios.


A réstia abre a névoa dos alaridos 

 na revoada triste dos papagaios.

Eles cortam os ares nos ensaios

de novembro, mês dos frutos caídos.


Nuvens anunciam chuvas vesperais,

formigas perfilam-se em correição,

a acauã confirma todos os sinais.


Eu espero as águas febris da estação,

o olhar esparramado nos beirais,

ouvindo ao longe o ronco  do trovão.

93. PANDEMIA

 Que tempo estranho esse que tudo chora,

que homens andam nus no agouro da gralha?

Que chuva de sal é essa, que se espalha

no torso oco da luz do lado de fora?


Quem me chama no escuro do portão?

 - Um cheiro de flor anunciando o fim -,

cidreiras espalhadas no jardim

e o cheiro da peste orvalhando o chão.


Que tempo estranho, a ventania soprando

de baixo pra cima, pessoas morrendo,

muitos sóis engasgados no oceano...


 As pessoas vagando sem destino certo

 nas ladeiras, o cemitério aberto,

e alguém, enlouquecido, toca um piano...




domingo, 21 de março de 2021

92. SILÊNCIO

 Havia silêncio só dentro de mim

quando a chuva caía tristemente

sobre as copas da árvores.

Toda a mata bramia com as águas,

grilos estridentes, aves noturnas, bugios,

peixes que espanam a água e borbulham,

formigas cortadeiras trabalhando sem parar.


Gotas frias escorrendo pelos troncos,

um cheiro de fumaça para repelir mosquitos.


Meu silêncio é minúsculo, diante dos raios e trovões

que rasgam o céu e abalam o mundo.