segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

64. RIO DE PEDRA XXX

Minhas manhãs anoitecem no rio 

onde Iaras resplandecem as escamas

e o tucano alonga o bico em chamas,

resvalando o olho no meu desvario.


Minha riqueza é o inventário do sol

e milhões de partículas flutuando,

um trono de pedra, pássaro voando,

e o entardecer crucificado no anzol.


A liberdade vai além da lua morta,

onde o pensamento voa como uma harpia.

É simples, perigoso e ninguém se importa


com esse clarão na casa vazia,

o coaxar de sapos na mente absorta

e o silêncio de ferro que a água espia.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

63. REENCONTRO XXX


Fazia tanto tempo que eu não te via.

Fui envelhecido pela  distância,

mais por um escaravelho da infância,

do que pelo tempo que em mim cabia.


Você não mudou. Minha nostalgia

de não poder tê-la perdeu a importância.

Estamos longe, na fria ignorância

do nosso destino, sem alegria.  


Quando você partiu era um sol glacial

queimando meu rosto paralisado,

de fogo e frio, alívio capital.


Hoje eu colho rosas do meu passado,

num imenso jardim coberto de sal,

e o mar invadiu meu rosto queimado.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

62. FINADOS XXX

Hoje, a noite será povoada de vozes, e de imagens.

É no portão da casa que entrevejo minha pobreza
de solitária criança no mundo.
Meu grito nos corredores de um mundo hostil,
atravessa os rios e florestas do sertão.

Sem portas para bater, minha luz se dilui no escuro,
sem laparina, sem fogueira, na cinza fria das chuvas.
Antes bastava subir no mais alto galho para respirar,
ver as coisas pequenas e simplesemente viver.

Hoje tateio cego no quarto lúgubre dos sonhos
à espera de um sinal, de notícias sobre o outro lado,
sobre o meu destino de cão consumido por varejeiras.

E simulo dois acenos, de mão dadas, 
de uma porta entreaberta para a névoa do esquecimento
a que resisto, insone e ferido.

domingo, 7 de janeiro de 2018

61. DOUTRINA XXX

Sou apenas esse cavaleiro enlouquecido

sem o medo de me atirar no abismo.

Toda vez que me alcança o paroxismo

do ódio adormeço o pavor comedido.


Meu ginete bufa e salta, aguerrido,

entre alba e noite, suave antagonismo,

por onde arremeto o sonambulismo

da cruz e do espinho, o peito ferido.


No tinir dos ferros e da espora,

nunca temi a morte, nem o trovão

que no martelo de Badé evapora.


Passo firme, ateio o fogo com a mão,

carrego a toalha no ombro e vou-me embora,

filho que sou do aço e do trovão.