Aqui, onde o mundo se perde,
a saudade é como chuva fina,
perene de solidão e medo,
Aqui, onde o mundo se perde,
a saudade é como chuva fina,
perene de solidão e medo,
Entre tantas, a dor do vazio sem fundo,
a dor dos ninhos abandonados nos beirais,
a dor espalhada nas estradas sombrias,
uma tatuagem no corpo.
E, por não me bastar o silêncio,
a dor vem acompanhada de memória,
vespas roendo o cérebro latejante,
como se o cérebro fosse uma manga madura.
Todos celembram o sol vermelho do sertão,
ele anuncia a florada na mata, a festa dos papagaios,
as extensas e infinitas revoadas no poente.
Eu quero celebrar a vida roubada
- dos homens e dos bichos - ,
a febre, o vômito e o espasmo,
mas também o voo triste dos guarás
por sobre a baía de São Marcos.
De passagem pela casa, não há mais jardim,
apenas as folhas no terraço de vento.
A lembrança dos meus passos de cimento
ecoa sem as flores por dentro de mim.
Certo que derramo ainda os rios de pranto,
e que replanto os vasos abandonados
pelo tempo: trinta dias já são passados.
Quero a luz que me ficou no derradeiro espanto
de te perder no aço da longa caminhada,
sem que fossem as minhas súplicas ouvidas
no desespero da mão entrelaçada.
Queria mais tempo, mais calor da chegada,
mais abraços de reconciliações repetidas,
o aceno insistente no portão da entrada.
Aqui onde o medo e a solidão imperam
as flores ornamentam caminhos que não vão para lugar algum.
Adiante, pessoas falam no corredor da morte, indiferentes.
O crespúsculo chora por razões infinitas,
que atraem pardais depois da chuva.
Aqui onde o meu medo se impõe como um grito,
a noite se aproxima silenciosa, no pisar de um jaguar faminto.
E contemplando meus gestos sem sentido
as pessoas não enxergam o desespero de quem se atira do penhasco.
Aqui, onde pranteio o nada, como solidão infame,
meu corpo nu se encolhe na calçada fria e espera.
O tempo se mede pelas ausências.
Lugares vazios na mesa, cadeiras sem balanço,
redes sem ragidos de escápulas.
A humana lida é composta de saudades em fio,
muros em ruínas, casarões abandonados.
Cada falta vai se acomodando como as ervas nas frestas do piso,
a dor cansa e anestesia, até ao ponto de esvair-se da memória.
Como pedir que permaneça, se um grande amor aguarda
na outra margem do rio,
ansioso por festejar a dois a paixão da eterna juventude?
E a cada hora nos unimos e nos despedaçamos
feitos que somos de tempo e de solidão,
de chuvas e ventanias que sacodem as janelas.
Seria preciso outra vida para contar as lembranças.
Refazer caminho não é uma tarefa fácil, tem espinhos.
É como ouvir ao longe o latido de cães perdidos,
o cântico melancólico dos galos da madrugada.
Nenhum acalanto vence o frio das UTI's,
com seus humores sombrios escondidos
em cada sala coberta de névoa onde ecoam sons de violino.
E quando dispara o alerta do oxímetro
e na janela estaciona um lua ovalada e brilhante,
os anjos começam a cantar como pássaros belicosos.
Ditos e não ditos no limiar da vida,
quando o pulmão se recusa a testemunhar
a passagem dos peixes na piracema e o tropel dos cavalos.
Cada hora insone tem seu dia de chuva.
Cada torre tem seu dobrar de sino,
e cada alegria triste tem sua falta.
É bom andar nas ruas sem destino, o sol a contrapelo,
imune ao tempo de chumbo que derrete nas mãos.
Mãe, madre, pia, como dói a lembrança
da infância sem cura, do lugar vazio na mesa.
Foram tantos os silêncios e ranger de portões,
as janelas grandes abertas em par sobre os quintais,
como se as ventanias de agosto curassem todos os miasmas,
e as águas de janeiro lavassem todas as lágrimas.
Eu que ouvi todas as rezas no altar do Santo,
a vela oscilando no balbucio de piedosas senhoras,
sempre soube que o amor vence o tempo
e ilumina a imensidão dos campos.