sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

104. PRIMEIRA IMPRESSÃO SOBRE AS CHUVAS

 

Melancólica chuva de fim de ano
em que se contam as pessoas mortas.
A janela aberta e o ranger de portas,
acauãs rompem o silêncio profano.

Dezembro chega como por engano
arrastando velhas árvores tortas
pelos rios de correntezas absortas,
no céu de chumbo ruge o trovão insano.

103. CHUVA DE NATAL

Hoje chove.
Melancólica chuva de inverno, perto do Natal.
A ceia não será mais a mesma, porque um lugar estará vazio.
Nós conversaremos amenidades, sem a coragem necessária para sorrisos largos.

Dezembro tem chuva. A de hoje começou noite passada.
Refrigerou o chão abrasivo do verão, molhando as sementes dos ipês, das aroeiras e de um sem-número de árvores nativas resilientes.

Eu me imaginei criança no sertão, de mãos dadas com ele, perambulando pelas margens dos rios cheios, contemplando as correntezas repletas de vegetação arrancadas das margens pela força das águas.

Antes, me vi carregado nos braços deles, saindo das canoas, infestadas de insetos dos campos da baixada.

E de repente fui trazido no pensamento para o dia da partida, eu e ele sozinhos à espera da viatura funerária.